Conheça Marcelo Bratke, pianista e difusor da obra de Villa-Lobos

  • 20 mar, 2017
Marcelo Bratke é um dos mais celebrados pianistas brasileiros e há mais de 10 anos se dedica a divulgar a obra de Heitor Villa-Lobos em âmbito mundial. Cada vez mais envolvido em como a arte pode se engajar no desenvolvimento social, criou em 2007 o projeto ‘Camerata Brasil’ – uma nova orquestra formada pela fusão entre jovens músicos eruditos e populares oriundos de áreas desprivilegiadas da sociedade brasileira.  Nesta entrevista, Bratke fala um pouco sobre seu projeto, o contexto que estamos vivendo no País no campo da cultura e sobre as obras que irá tocar no concerto em homenagem aos 130 anos de Villa-Lobos – o primeiro da série ‘NEOJIBA no TCA’. Você criou o ‘Camerata Brasil’ em 2007 - mesmo ano em que o NEOJIBA foi fundado na Bahia. Nos conte um pouco mais sobre este projeto social? A ‘Camerata Brasil’ foi um projeto que eu comecei logo em seguida a uma operação que eu fiz nos olhos. Eu nasci com um problema grave de visão e só resolvi esse problema aos 44 anos. A cirurgia mudou completamente a minha vida, porque passei a enxergar bem pela primeira vez. Nesta época, conheci um grupo em São Paulo que tocava percussão e os convidei para participar da minha estreia na sala de concerto Carnegie Hall, em Nova Iorque. Eram cinco jovens percussionistas moradores do bairro Jardim Miriam, região Sul da cidade de São Paulo. Com essa formação, realizei alguns concertos na Alemanha e na França. Foi uma experiência que me inspirou a propor um diálogo mais próximo entre o piano e a percussão brasileira. Eu acompanho o trabalho maravilhoso que o NEOJIBA realiza em Salvador, o El Sistema, na Venezuela, e outros projetos atuantes em outras regiões do Brasil e da América Latina. A ‘Camerata Brasil’ é uma orquestra com a fisionomia de Villa-Lobos. Ela é miscigenada porque traz músicos populares e eruditos. Em Vitória, onde estamos sediados, eu não tinha condições de formar uma orquestra sinfônica completa. Sendo assim, criei uma orquestra que realiza projetos que homenageiam compositores brasileiros. Com este trabalho, buscamos dar visibilidade a influência que a cultura popular brasileira tem nas obras destes compositores. Por exemplo, a nossa versão do Trenzinho do Caipira, de Villa-Lobos, é diferente. São treze músicos tocando contrabaixo, violoncelo, violino, clarineta, oboé e um set expressivo de percussão que nos leva a um passeio sonoro por diversas regiões do País. Desde 2007, foram mais de 250 concertos no Brasil e no exterior que homenageiam compositores brasileiros como Villa-Lobos, Ernesto Nazareth, Tom Jobim, Dorival Caymmi, entre outros. A Camerata Brasil fez uma turnê no Brasil para celebrar os 120 anos de Villa-Lobos. 10 anos depois, você participa do concerto do NEOJIBA em homenagem aos 130 anos do compositor. Eu estou ligado a Villa-Lobos há muitos anos. Acabei de concluir uma série de oito documentários para televisão sobre Villa-Lobos, que foi exibido no canal Arte 1. Também tenho um programa na Rádio Cultura sobre esse compositor. É uma grande honra comemorar junto com o NEOJIBA os 130 anos de Villa-Lobos. É uma oportunidade de mostrar as qualidades e as belezas da música brasileira, através de uma iniciativa que é sociocultural. É a música como instrumento de união social para agregar melhoria à vida das pessoas. A música tem essa capacidade de comunicação imediata. A prática musical exercitada pelos jovens impacta também nas famílias e nas comunidades. Sim, muda completamente a vida de todos que estão envolvidos. Transforma a autoestima, a perspectiva de vida e a visão de mundo. Mudou a minha vida e a de todos os integrantes que passaram pela ‘Camerata Brasil’. Eu me lembro de uma jovem de 16 anos que tocava percussão. A mãe dela era descascadora de caranguejo, em Vitória. Ela era muito tímida. Demorou quatro meses para me dizer “bom dia”. Depois de um ano fazendo o projeto sobre Villa-Lobos, ela se tornou a estrela número um da orquestra. Depois, ela fez curso para ser atriz. É uma jovem que se desenvolveu muito. A música foi o instrumento para ela dar asas à sua imaginação e à sua vida.  Sua família também se envolveu bastante. Nós temos esta preocupação de criar condições para que todo mundo participe. No concerto da série ‘NEOJIBA no TCA’, você vai tocar junto com a Juvenil da Bahia Momoprecoce - uma fantasia para piano e orquestra, sob a regência de Ligia Amadio. Nos conte sobre esta peça. É uma fantasia carnavalesca inspirada no nosso carnaval. Uma obra ideal para comemorar os 130 anos de Villa-Lobos. É uma peça escrita originalmente para piano solo que ganhou o nome de Carnaval das Crianças Brasileiras. Depois, a grande pianista Magdalena Tagliaferro pediu a Villa-Lobos que fizesse uma adaptação para piano e orquestra. É interessante porque a parte da orquestra tem uma estética bem diferente da parte do piano. Mas como Villa-Lobos era um amalgamador de elementos musicais, tudo acaba dando certo. Esta obra é um caos musical que mostra a organização ética brasileira. Você também vai tocar junto com o Coro Infantil do NEOJIBA várias pequenas peças que fazem parte do Guia Prático, escrito por Villa-Lobos. Villa-Lobos escreveu centenas de obras para construir um mapa musical do Brasil. São temas folclóricos que ele harmonizou e, em alguns casos, transformou. Estas peças foram reunidas no Guia Prático – uma espécie de manual para as pessoas entenderem o Brasil. Villa-Lobos observou a diversidade cultural brasileira através da música. Ele nos apresentou este País dizendo: “Essa música que vocês estão ouvindo, diz respeito a vocês”. Villa-Lobos disseminou os cantos folclóricos para coro infantil e piano, junto com o canto orfeônico, pelo mundo inteiro. Com a ajuda de Getúlio Vargas (presidente do Brasil à época), Villa-Lobos tornou obrigatório o ensino da música nas escolas brasileiras. Ele fez uma revolução educacional da música no Brasil, por acreditar que as pessoas que aprendiam música na escola iam se tornar cidadãos melhores. É exatamente isso que o NEOJIBA está fazendo. Eu também trilho esse objetivo através do projeto ‘Camerata Brasil’. As formações musicais profissionais brasileiras estão vivendo um período difícil, muitas orquestras e bandas estão fechando. Como o cenário musical clássico brasileiro deveria evoluir para sobreviver? O que está ocorrendo é um grande retrocesso. Evidentemente, a primeira área impactada por essa crise que estamos vivendo foi a cultura. Mas se a gente olhar as estatísticas, observamos que o mercado cultural emprega diretamente e indiretamente mais pessoas do que a indústria no Brasil. O eletricista que liga a luz no palco, a pessoa que transporta a orquestra - são todos profissionais vinculados a este setor. A cultura tem mais de 160 sinônimos. Ela é música, dança, arquitetura, literatura, mas é também alimento e prevenção. Por isso, a cultura, a educação e a ética devem estar sempre presentes e serem apoiadas pelo Governo. Música é ética. Música é cultura. Música é educação. Eu acho muito importante que essas instituições brasileiras, que agora estão sendo desmontadas, tenham chance de se reerguer. O Brasil deu um passo muito importante nos últimos quinze anos em matéria de música, mas que ainda é muito pequeno. Temos aproximadamente 100 orquestras profissionais. Os Estados Unidos têm 100 mil orquestras profissionais. Estamos muito no começo. Não podemos deixar a peteca cair.

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