"Inspirar os músicos é a melhor contribuição que se pode oferecer."

  • 05 abr, 2016
É sempre bom tocar entre amigos, diz a regente inglesa Catherine Larsen-Maguire sobre o segundo concerto do Ciclo Beethoven com a Orquestra Juvenil da Bahia, esta quarta (06 de abril), às 20h, no Teatro Castro Alves. Esta é a sexta vez que a musicista vem à Bahia para trabalhar com os jovens do NEOJIBA. Durante sua estadia em Salvador, Catherine atua como regente e professora de fagote dos instrumentistas do programa. Nesta entrevista, Catherine compartilha sua experiência, projetos pessoais e o prazer de trabalhar com orquestras constituídas por jovens, principalmente na América Latina. Você é da Inglaterra e mora em Berlim, na Alemanha. Em que idioma você se comunica com os integrantes do NEOJIBA? Eu me comunico em português com um vocabulário básico. Mas considero que é interessante para os alunos, mesmo os mais jovens, estar em contato com alguém que não fale o mesmo idioma e não tem a mesma cultura. Assim, eu tenho a oportunidade de aprender um pouco de português e eles também podem praticar ou aprender um pouco de inglês ou qualquer outro idioma que esteja sendo usado pelos convidados estrangeiros do NEOJIBA. Nesta visita, eu conheci os fagotistas do Núcleo SESI pela primeira vez. Eles perguntaram com muito entusiasmo da onde eu sou! Ficaram animados de saber que eu sou da Inglaterra. Alguns tentaram falar algumas coisas em inglês como “How are you?”... Já os mais velhos as vezes me escrevem no Facebook em inglês. Eu acho ótimo eles terem a chance de praticar o que aprenderam! Como você coordena suas atividades de regência e prática instrumental do fagote? Neste momento, eu exercito muito mais a regência do que toco fagote. Durante 10 anos, eu toquei na Orquestra da Komische Oper (Opera Cômica) em Berlim. Isso foi até 2012. Eu gosto muito de reger e também gosto de ensinar. Ainda ensino fagote na Universidade de Rostock, na Alemanha. E, até pouco tempo, ensinei regência na Universidade das Artes de Berlim. Eu decidi interromper esta atividade agora, para ter mais tempo para reger e me dedicar aos meus próprios projetos. Eu trabalho muito com música contemporânea e também com orquestras de jovens. Com este grupo posso aliar a regência ao ensino do fagote. Gosto muito de ensinar regência, particularmente para pessoas que não têm muita experiência nesta área. Acredito que todo músico deveria experimentar a regência. Como é ser uma mulher regente? Eu iniciei minha carreira como instrumentista de orquestra. É um percurso diferente daquele caminho tradicional feito usualmente pelos regentes. Por isso, a orquestra é um mundo que eu conheço muito bem. Honestamente, eu não sinto uma pressão particular pelo fato de ser mulher e regente. Na verdade, os comentários surgem quando os músicos percebem a qualidade - boa ou ruim - do regente. E isso você percebe em dois minutos! Neste momento você já esqueceu se é homem ou mulher, alemão ou japonês. É comum nas orquestras profissionais que o regente se afaste dos músicos quando não está regendo. Eu gosto de interagir com os músicos nos intervalos, de me aproximar deles. Não vejo problema algum nesta interação. No ano passado, eu visitei o programa PRIMA, em João Pessoa. Eu percebi que lá as meninas eram um pouco mais tímidas, do que aqui no NEOJIBA. Realizamos uma pequena masterclass em regência para os integrantes do PRIMA. Qualquer um podia experimentar. Porém, observei que era sempre os meninos que demostravam interesse. O mesmo ocorre na Alemanha. Se eu perguntar a minha classe de crianças de 8 anos quem gostaria de tentar reger, só os meninos vão levantar a mão. Eu acho isso muito interessante. No PRIMA, incentivamos uma menina a experimentar a regência. Ela manifestou o desejo de aprender, mas falava que não podia. Quando ela começou a tentar, um menino assoviou e ela ficou toda envergonhada. Busquei encorajá-la e ela regeu muito bem! Observei que os meninos a respeitaram. Ela recebeu muitos aplausos, ficou muito feliz e confiante. Disse que esse momento realmente mudou a vida dela. Acredito que mesmo se ela não se tornar uma regente profissional, possivelmente será professora ou uma liderança política, comunitária. Alguém com uma voz forte para representar as mulheres. Regência é uma ótima forma das pessoas desenvolverem a capacidade de liderar. O que inspira você a trabalhar com orquestras de jovens? Eu tenho muito prazer em realizar este trabalho. Jovens têm sede de aprendizado. Há sempre muito trabalho aqui na América Latina, porque é um continente que não tem a tradição e todo o conhecimento que se tem na Europa no âmbito da música de concerto. Muitas vezes, as orquestras tocam tudo de maneira semelhante. É um desafio tentar mudar isso em um curto intervalo de tempo. Mas é muito interessante, porque os músicos demonstram um grande empenho. É muito gratificante. Eu recebo muita energia de volta. É a sexta vez que eu venho aqui a Salvador, então eu conheço várias pessoas, nos tornamos amigos. É sempre bom tocar entre amigos. A Orquestra Juvenil da Bahia é uma excelente orquestra! O primeiro concerto que eu regi aqui há três anos tinha um programa difícil, mas a orquestra tocou de maneira fantástica! Beethoven é muito mais difícil, pois precisa ser tocado com mais sensibilidade e delicadeza. Nos ensaios, eu estimulo os músicos a tocar de maneira diferente. Quero que a emoção da música transpareça sem perder de vista a disciplina. Isto é um desafio para uma orquestra com este perfil. Você trabalha com grupos no mundo inteiro: Ásia, África, América e Europa. Percebe alguma diferença na maneira de apreender a música de concerto entre estes povos? Sim, definitivamente. Grande parte depende do ensino que eles têm a sorte de receber. No ano passado, eu participei de um projeto muito interessante em Berlim; um festival de orquestras de jovens. Havia uma orquestra, formada pela organização do festival, com músicos de Berlim, da Rússia, da Ucrânia e do Azerbaijão. Cada grupo tocava de maneira diferente. Na Rússia e na Ucrânia, existe a escola de cordas que toca alto, com muito vibrato, de maneira muito romântica. Foi difícil para eles tocar de outra forma. Trabalhei também com a Orquestra Juvenil de Sopros da África do Sul. O ponto comum é que a energia é sempre intensa quando trabalhamos com crianças ou jovens. Na maioria das vezes, eles têm muita vontade de aprender e estão abertos a novas ideias. Inspirá-los de alguma maneira é a melhor contribuição que se pode oferecer. Qual a importância da música de concerto no mundo contemporâneo, principalmente para quem vive em grandes centros urbanos? Música é uma maneira de criar uma comunidade. Tocar música conecta as pessoas e cria um interesse comum, para elas poderem trabalhar juntas em outras coisas. Não precisa ser música de concerto. Pode ser qualquer tipo de música! Música de concerto é ótimo. Mas já é um excelente começo se reunir para fazer alguma atividade musical. E daí, se a proposta é tocar uma sinfonia de Beethoven, é maravilhoso! Não estamos treinando as crianças e os jovens para serem necessariamente músicos profissionais. Queremos que eles sejam socialmente mais competentes e disciplinados consigo mesmo e no coletivo, trabalhando com outras pessoas, como membros de uma equipe. Hoje de manhã, eu estava com um fagotista iniciante, trabalhando os mesmos quatro compassos durante uma hora. Primeiro batendo o ritmo com as mãos, depois tocando as notas, depois as notas e o ritmo... Ele tem 12 anos e, no final da aula, ele estava perdendo a concentração. Mas ele queria realmente conseguir e persistiu. Deu certo. Ele ficou extremamente feliz por ter tocado esses compassos que, uma hora antes, ele achava que nunca conseguiria. Isso é algo que esses jovens podem levar para outras áreas da vida, não se aplica só à música. O mais importante é que eles sejam capazes de ter um desempenho melhor na escola, uma convivência melhor com as outras pessoas, ter mais foco. A música oferece uma boa estrutura para trabalhar o foco, a disciplina, saber trabalhar em grupo, encorajar os outros. É algo que observo aqui no NEOJIBA. Os alunos encorajam uns aos outros, há um apoio mútuo, sem um sentimento de competição. Aprender a tocar música não deve necessariamente levar a uma carreira profissional. Pode ser um ótimo hobby, uma coisa maravilhosa para experimentar na sua vida! Falta esse tipo de visão na Europa. Lá não há uma clareza sobre a razão para se aprender música. Como se aqueles que não se tornam profissionais, não tivessem competência. É como fazer esporte. Todo mundo deveria fazer esporte, porque faz bem para a sua saúde. Entretanto, nem todos vão participar das Olimpíadas. É a mesma coisa com música. É divertido, faz bem!

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